sábado, 10 de março de 2012

FEB

CICLO DO OURO – Parte II


A descoberta de ouro teve um grande papel na vida da colônia. Nos 75 anos seguintes a mineração ocupou a maior parte das atenções do país, e desenvolveu-se à custa da decadência das demais atividades. A grande corrida populacional para a região das minas em 30 anos povoa um território imenso até então desabitado, de forma esparsa, em pequenos núcleos separados entre si por áreas desertas imensas. “Esta será uma forma característica ao povoamento do Brasil Centro-sul que se perpetuará até os dias de hoje.” (Caio Prado Junior)


“Mas de outro lado, o impulso desencadeado pela descoberta das minas permitiu à colonização portuguesa ocupar todo o centro do continente sul-americano. É este mais um fato que precisa ser contado na explicação da atual área imensa do Brasil. As transformações provocadas pela mineração deram como resultado final o deslocamento do eixo econômico da colônia, antes localizado nos grandes centros açucareiros do Nordeste (Pernambuco e Bahia). A própria capital da colônia (capital mais de nome, pois as diferentes capitanias, que são hoje os Estados, sempre foram mais ou menos independentes entre si, subordinando-se cada qual diretamente a Lisboa) transfere-se em 1763 da Bahia para o Rio de Janeiro. As comunicações mais fáceis das minas para o exterior se fazem por este porto, que se tornará assim o principal centro urbano da colônia.” (Caio Prado Junior)

“A necessidade de abastecer a população, concentrada nas minas e na nova capital, estimulará as atividades econômicas num largo raio geográfico que atingirá não somente as capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro propriamente, mas também São Paulo. A agricultura e mais em particular a pecuária desenvolver-se-ão grandemente nestas regiões. É de notar que o território das minas propriamente (sobretudo das mais importantes localizadas no centro de Minas Gerais) é impróprio para as atividades rurais. O solo é pobre e o relevo excessivamente acidentado. Nestas condições, os mineradores terão de se abastecer de gêneros de consumo vindos de fora. Servir-lhes-á, sobretudo o sul de Minas Gerais, onde se desenvolve uma economia agrária que embora não contando com gêneros exportáveis de alto valor comercial — como se dera com as regiões açucareiras do litoral —, alcançará um nível de relativa prosperidade.” (Caio Prado Junior)

Após a Guerra dos Emboabas, depois de dura intervenção governamental, foi criada em 1720, a Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, e o quinto real (um direito da coroa) é instituído pelo governador Conde de Assumar.
As minas encontradas tinham sua exploração livre, porém esta era submetida a uma rígida fiscalização e a coroa cobrava o quinto, ou seja, o minerador deveria pagar à coroa a quinta parte de todo o ouro extraído.

“Em resumo, o sistema estabelecido era o seguinte: para dirigir a mineração, fiscalizá-la e cobrar tributo (o quinto, como ficou denominado), criava-se uma administração especial, a Intendência de Minas, sob a direção de um superintendente; em cada capitania em que se descobrisse ouro, seria organizada uma destas intendências que independia inteiramente de governadores e quaisquer outras autoridades da colônia, e se subordinava única e diretamente ao governo metropolitano de Lisboa.” (Caio Prado Junior)
Esse sistema gerava grandes conflitos, o que levou a criação das Casas de Fundição em que todo o ouro extraído era necessariamente recolhido e fundido, e depois de tirado o quinto, formavam-se barras, que eram marcadas com o selo real (“quintar o ouro”). O ouro era devolvido ao proprietário nestas barras quintadas que eram circuladas normalmente. O ouro só podia circular nesta barras quintadas. A circulação do ouro em pó ou em pepitas, como é encontrado na natureza, era proibida e quem o fizesse era punido e tinha seus bens confiscados e até podiam ser enviados às colônias portuguesas na Africa.
Outras medidas foram tomadas para proteger a Coroa Real. Um deles foi a derrama:
“...fixou-se uma certa quota anual mínima que o produto do quinto devia necessariamente atingir. Esta quota, depois de algumas oscilações, foi orçada em 100 arrobas (cerca de 1.500 quilos). Quando o quinto arrecadado não chegava a estas 100 arrobas, procedia-se ao derrame, isto é, obrigava-se a população a completar a soma. Os processos para consegui-lo não  tinham regulamento especial. Cada pessoa, minerador ou não, devia contribuir com alguma coisa, calculando-se mais ou menos ao acaso suas possibilidades. Criavam-se impostos especiais sobre o comércio, casas de negócio, escravos, trânsito pelas estradas, etc.” (Caio Prado Junior)

Com o grande contingente populacional vindo para a região das minas houve o desenvolvimento da urbanização, com a formação das vilas.
“Nasceu assim uma sociedade diferenciada, constituída não só de mineradores como de negociantes, advogados, padres, fazendeiros, artesãos, burocratas, militares. Muitas dessas figuras tinham seus interesses estreitamente vinculados à Colônia, e não por acaso ocorreu em Minas uma série de revoltas e conspirações contra as autoridades coloniais. Embora os setores mais ricos da população fossem às vezes proprietários de fazendas e investissem na mineração em locais distantes, a vida social concentrou-se nas cidades, centro de residência, dos negócios, das festas comemorativas. Nelas ocorreram manifestações culturais notáveis no campo das artes, das letras e da música.” (Boris Fausto)
Surge então, um movimento artístico e cultural marcante na história do Brasil. A arquitetura é rica, as artes lembram em muito o renascimento europeu, despontam artistas importantes como Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (escultor, entalhador e arquiteto), e Manuel da Costa Ataíde. O Barroco Mineiro impressiona pela sua força e beleza.

 “Na base da sociedade estavam os escravos. O trabalho mais duro era o da mineração, especialmente quando o leito dos rios escasseou e teve de ser buscado nas galerias subterrâneas. Doenças como a disenteria, a malária, as infecções pulmonares e as mortes por acidente forma comuns. Há estimativas de que a vida útil de um escravo minerador não passava de sete a doze anos. Seguidas importações atenderam às necessidades da economia mineira, até mesmo para substituir mão–de-obra inutilizada. O número de cativos exportado para o Brasil cresceu entre 1720 e 1750, apesar da crise do açúcar. Os dados de população da capitania de Minas levantados em 1776 mostram a esmagadora presença de negros e mulatos. Dos cerca de 320 mil habitantes, os negros representavam em torno de 52%, os mulatos 26% e os brancos 22%.” (Boris Fausto)  

A riqueza da época ficava nas mãos de um grupo dedicado à extração do ouro e aos vários negócios e oportunidades que se formaram em torno dela.  Abaixo deste grupo, havia um grupo de população livre constituída de gente pobre ou de pequenos funcionários, empreendedores e comerciantes, com limitadas possibilidades econômicas.

O período de auge do ouro se deu entre 1733 e 1748, e a partir de 1760 começa seu declínio. O governador Visconde de Barbacena, que assumiu em 1788 recebeu instruções para que fosse garantido o valor anual do quinto de 100 arroubos de ouro, e se fosse preciso completar essa cota, deveria decretar a derrama. Isso fazia gerar uma ameaça geral sobre a capitania e mais diretamente sobre o grupo de elite, onde se encontravam os maiores devedores da Coroa.

“Os inconfidentes começaram a preparar o movimento de rebeldia nos ultimes meses de 1788, incentivados pela expectativa do lançamento da derrama. Não chegaram, porém, a tentar a realização de seus planos. Em março de 1789, Barbacena decretou a suspensão da derrama, enquanto os conspiradores eram denunciados. Seguiram-se as prisões em Minas e a de Tiradentes no Rio de Janeiro. O longo processo realizado na capital da Colônia só terminou a 18 de abril de 1792. Tiradentes e vários outros réus foram condenados a forca. Algumas horas depois, uma carta de clemência da rainha Dona Maria transformava todas as penas em expulsão do Brasil, com exceção do caso de Tiradentes. Na manhã de 21 de abril de 1792, Tiradentes foi enforcado como protagonista de um cenário típico das execuções do Antigo Regime. Entre os ingredientes desse cenário incluíam a presença da tropa, discursos e aclamações à rainha. Seguiu-se a retalhação do corpo e o corte de sua cabeça, exibida na praça principal de Ouro Preto.” (Boris Fausto)

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